Com 15 casos identificados de intoxicação por metanol em São Paulo, sendo cinco mortes confirmadas até o momento, o Brasil está em alerta para os efeitos da substância para as pessoas. A contaminação pelo metanol, um álcool utilizado na indústria para a produção de solventes e outros produtos, estaria relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas, em situação detectada no estado de São Paulo.
Especialistas gaúchos da área da saúde alertam para os efeitos do metanol no organismo, assim como a necessidade de buscar tratamento imediato assim que o paciente suspeitar de sintomas relacionados com a intoxicação. Além das mortes registradas, a contaminação refletiu ainda em problemas relacionados com o sistema nervoso central, com a visão e com o coração.
Procurada para falar sobre o protocolo de atendimento e disponibilização de antídoto para pacientes com intoxicação por metanol, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que não irá se pronunciar por não haver notificações de casos no Rio Grande do Sul.
Conversão do metanol em ácido fórmico
O toxicologista Bruno Pereira dos Santos, doutorando em Ciências da Saúde Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica que o metanol já é tóxico para o organismo mesmo quando ingerido em pequenas quantidades. Ele cita ainda que a intoxicação, inicialmente, pode se assemelhar ao consumo de álcool, com manifestações de uma ressaca, mas logo evoluindo para dores abdominais, náuseas e vômitos, dor de cabeça intensa e batimentos cardíacos aumentados.
Além disso, a substância, após passar pelo estômago e pelo intestino e chegar ao fígado, é convertida em ácido fórmico, o principal responsável pelos efeitos graves, como cegueira, acidose metabólica (diminuição do pH do sangue) e até mesmo morte, conforme o toxicologista. A conversão ocorre da mesma forma na qual o etanol é convertido no organismo. Por isso, Santos aponta que a administração de etanol faz com que seja reduzida a conversão do metanol em ácido fórmico, sendo uma substância considerada como antídoto do metanol.
“Em caso de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar um serviço de emergência o mais breve possível. Somente a partir da avaliação clínica e exames laboratoriais verifica-se a necessidade de administrar o antídoto, que deve ser feito em ambiente hospitalar. O etanol usado como antídoto é formulado especialmente para uso hospitalar, não devendo ser usado bebidas alcoólicas ou formulações industriais, como álcool etílico de uso comum”, considerou.
Tratamento imediato é essencial para salvar vidas
A busca por atendimento imediato assim que a pessoa apresentar sintomas da intoxicação é essencial para aumentar as chances de salvamento do paciente, de acordo com o médico intensivista do Hospital Moinhos de Vento, Gregory Medeiros. Ele explica que o principal indicativo é a sensação desproporcional de ressaca após a ingestão da bebida, com manifestações mais intensas do que as sensações que a pessoa está acostumada a ter ao consumir a mesma quantidade de álcool.
A primeira orientação do intensivista é que o paciente busque atendimento em uma unidade de Emergência. Segundo ele, esse é o local apropriado para que as equipes façam o diagnóstico da intoxicação por metanol e deem início ao tratamento. “Essas substâncias podem ser dosadas na corrente sanguínea e, no momento em que o paciente chega na emergência, é iniciada uma estabilização do quadro”, afirmou.
Medeiros reforça ainda que não há nenhum tipo de tratamento seguro que possa ser feito em casa para a contaminação por metanol e que o principal antídoto só é feito em ambiente hospitalar, pois é aplicado diretamente na veia do paciente com monitorização da frequência cardíaca, da pressão arterial e da oxigenação. Além disso, o médico aponta que os protocolos de tratamento para estes quadros de intoxicação também indicam a aplicação de bicarbonato para corrigir o excesso de álcool no sangue e a realização de hemodiálise.
“Atualmente, um hospital de alta complexidade tem plenas condições de salvar a vida desse paciente quando ele vem no tempo hábil, de algumas horas depois da ingestão. O antídoto, quanto mais precoce se procura, maior sua efetividade, justamente porque o objetivo é bloquear a formação dessas substâncias tóxicas. Não sendo possível bloquear essa formação, a hemodiálise seria o método para remoção do álcool e das substâncias tóxicas. O tempo até o atendimento especializado é determinante para salvar vidas”, completou.
Problemas de visão podem ser irreversíveis
Um dos principais sintomas relacionados com a intoxicação por metanol está a visão embaçada ou turva, que pode avançar para a cegueira, associada a uma doença chamada neuropatia óptica. Ao menos dois dos 15 casos confirmados de intoxicação tiveram transtornos relacionados com a visão após ingerirem a substância. A oftalmologista do Hospital Banco de Olhos São Pietro de Porto Alegre, Marcela Bordaberry, aponta que o agravamento do quadro para a saúde ocular torna pouco provável uma reversão da cegueira quando a pessoa começa a sentir problemas na visão.
“Nesses casos de intoxicação por ingestão de metanol, as primeiras horas são fundamentais para o tratamento da neuropatia óptica. Os sintomas surgem após 12 horas e é fundamental que o paciente, ao perceber sinais diferentes, busque um médico oftalmologista. Pela gravidade da doença, trabalhamos com três focos: primeiro a vida, depois o órgão e, por último, a função. Por mais que haja sintomas de perda de visão, a prioridade é o atendimento de um médico intensivista para salvar o paciente. Após, entram os esforços para manter o órgão e depois o objetivo volta para verificar a função da visão da pessoa”, contou Marcela.
A oftalmologista explica ainda que a neuropatia óptica causada pela intoxicação por metanol ocorre no nervo óptico e na retina. “O nervo óptico necessita de muito oxigênio para seu funcionamento, e suas células demandam mais energia do que o fígado, por exemplo. Isso influencia em casos de intoxicação por metanol, todos os tratamentos para a doença chegam tarde ao nervo óptico. Todo procedimento, por mais rápido que seja, dificilmente reverte essa situação”, concluiu a médica.
