
Um médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Porto Alegre está sendo investigado pela Polícia Civil por suspeita de omissão de socorro a uma paciente de 73 anos. Em novembro de 2023, Edith Carvalho da Silva passou mal, e os filhos tiveram que ligar para o telefone 192.
Uma gravação obtida com exclusividade pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostra que o médico teria desligado a chamada intencionalmente enquanto conversava com a filha da idosa, que precisava de atendimento de emergência. Cardíaca e diabética, a mulher morreu certa de três horas depois, segundo a família.
Com três fontes diferentes, o GDI conseguiu identificar a voz que aparece na gravação como sendo do médico César Volésio Ribeiro Carvalho. Na segunda-feira (17), mais de seis meses após o ocorrido, a Secretaria Municipal da Saúde confirmou, em resposta aos ofícios da polícia, a identificação de César.
A reportagem tentou contato com o profissional, mas, segundo a Secretaria Municipal da Saúde, em decisão conjunta, foi decidido apenas divulgar uma nota oficial. A pasta anunciou abertura de sindicância e afirmou que “colabora com toda e qualquer investigação”. (Leia a manifestação na íntegra abaixo)
O caso
Durante o atendimento, o médico regulador insistiu para conversar com a paciente. Os filhos alegavam que a mulher não conseguia falar.
“Ela passou mal. O meu irmão me chamou pra ajudar ele a fazer o procedimento. Ligamos para a Samu. O médico queria falar com a paciente. Ela não podia mais falar por causa do estado grave que estava. E ele insistiu”, conta a enfermeira Jaqueline Carvalho da Silva, filha de Edith.
A gravação confirma a insistência do médico em conversar com a idosa. Um dos filhos chegou a aproximar o celular dela.
“Tá falando. Então deixa eu tentar falar com ela aí, vamos ver”, diz o profissional da saúde.
O que a idosa diz na sequência é incompreensível. Jaqueline, então, pega o telefone, irritada e com a voz alterada.
“A paciente não consegue falar. Ela não tomou a medicação, ela está com a glicose baixa. O senhor quer que eu resuma mais pro senhor? Que ela está entrando em óbito?”, questiona Jaqueline.
O plantonista reage dizendo que vai interromper a ligação. “Tu para de gritar”, adverte o homem.
Ela responde e, em seguida, a chamada é encerrada.
“Ele não tem o direito de se alterar, porque ele é um profissional, né. Ele foi treinado pra isso. Ele tem que perguntar, ele tem que conversar e ele tem que acalmar, né?”, queixa-se Jaqueline.
A filha da paciente relatou que levou a mãe a um hospital da Zona Sul. Edith faleceu três horas depois.
Investigação
A partir da ocorrência registrada pela família, a delegada Ana Caruso, titular da Delegacia de Proteção ao Idoso e Porto Alegre, abriu um inquérito para apurar o caso.
“Nós instauramos um inquérito de omissão de socorro. Ele teria obrigação legal de atender ao chamado dos filhos, que estavam desesperados. Ele simplesmente se recusou a atender, desligou o telefone e disse que se não conversasse com a idosa não prestaria atendimento, e não prestou”, explica a delegada.
Conduta profissional contestada
O professor Délio Kipper, coordenador do Comitê de Bioética Clínica na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), avaliou a conduta do plantonista. Segundo ele, se a interrupção da ligação partiu do médico houve um erro “do ponto de vista deontológico”.
“O que está claramente escrito no Código de Ética Médica, artigo 32, em que o médico não pode abandonar um paciente que está em risco”, opina Kipper.
Nota da Secretaria Municipal de Saúde
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), informa que abriu sindicância para investigar o ocorrido. A pasta se coloca à disposição para auxiliar com informações e colabora com toda e qualquer investigação seguindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas (LGPD).
As informações pertinentes já foram direcionadas para a Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso.
Fonte: G1 RS